sexta-feira, 20 de junho de 2014

(Me) Parto

Bom, comecemos do começo.

Minha DPP (data provável do parto) oficial era 20/5, mas para mim era mesmo dia 18/5 – explico: eu sabia que tinha ovulado no 12º dia do ciclo menstrual, não no 14º, e o primeiro ultrassom de todos, o que dizem ser o mais preciso em relação à DPP, tinha dado 18/5. Além disso eu adoro o número 18. Então pra mim sempre foi dia 18/5.

Na consulta das 39 semanas a médica fez o toque e se empolgou! Isadora já estava bem embaixo – a obstetra podia tocar na cabecinha do neném! – e meu colo do útero estava bem molinho, flexível, prontinho para um trabalho de parto que poderia começar a qualquer momento. Tentando não criar muita expectativa em mim, ela acabou deixando claro que não passaria de uma semana!

A expectativa já tinha sido criada. Em mim, no meu marido, nos familiares e amigos mais próximos. Fui me organizando ainda mais, fiz uma compra grande de supermercado, limpei aqui, arrumei ali, aproveitei dias lindos de sol pra caminhar na praia... eu estava pronta pra Isadora. Mas os dias foram passando e nada!

No domingo 18/5, senti pequenas contrações o dia todo, o que se repetiu na segunda, mas ficou nisso. Liguei pra médica e marquei a consulta das 40 semanas, que ela achava que nem existiria! Novo toque e... dilatação de 2 cm. Apesar disso, esta vez ela não demonstrou mesmo que achava que ia ser logo. “Pode ser logo ou pode demorar mais” me disse, enquanto me dava uma requisição para um ultrassom caso a bebê não tivesse nascido até as 41 semanas.

Investi no chá de canela com gengibre (hot tea) e nos outros dois “hots” (hot sex, hot bath). Tinha dias em que sentia pequenas contrações, dias em que não. E mais uma semana foi passando. Quando chegou na sexta-feira, eu já tinha decidido que àquelas alturas era melhor que Dora não nascesse no sábado, pois era a festinha de aniversário de sete anos do meu afilhado, e eu nunca tinha conseguido ir numa festa de aniver dele (sempre estava na Nova Zelândia). Então estava bem a fim de ir nesta. Domingo ou segunda seria perfeito, pensei, assim evitaria um novo ultrassom e até mesmo um possível embate com a médica, que já tinha me deixado claro que não gostava de deixar passar das 41 semanas...

Fui na festa do Arthur, conversei bastante, peguei bebês no colo, comi horrores! Voltei pra casa me sentindo diferente. No entanto, busquei possíveis explicações para aquela tensão que eu sentia nitidamente na barriga e no baixo ventre – terei ficado muito de pé? Comido muito? Carregado os bebês por muito tempo?

A noite transcorreu tranquilamente. Mas..........acordei às 7 h da manhã sentindo contrações mais fortes do que as da semana anterior. Resolvi tomar um banho quente pra conferir se elas continuariam. Saí do banho e chamei o De – honey, tô achando que agora vai!

Uma hora e pouco depois, no café da manhã, eu já não conseguia nem sentar. As contrações estavam mais fortes e aconteciam a cada 3 minutos. Neste dia tinha almoço de aniversário da minha madrinha e meu primo nos Piacentini. Liguei pra mãe e disse: Acho que não vai dar pra ir na festa!

Comecei também a me comunicar com a Gabi, minha doula. Fui ao banheiro e vi o tampão. Estava tudo indo tão rápido que – confesso – eu já estava até pensando na anestesia, pois naquele momento eu adoraria deixar de sentir a dorzinha das contrações. Gabi falou pra eu ir pra maternidade para uma avaliação, afinal de 3 em 3 minutos já é alta frequência! Combinamos de nos encontrar lá, apenas disse a ela que passaria antes na casa da mãe pra deixar o Caio.

Domingo, 25/5, era dia de Iron Man (competição de triátlon realizada em Florianópolis), o que significava que diversas ruas e avenidas estariam fechadas para o evento, inclusive aqui no Sul da Ilha. Logo lembrei de minha prima que teve sua filha, há 10 anos, neste mesmo fim de semana e teve que ir para a maternidade pelo acostamento!

Dentro do carro as contrações já estavam acontecendo a cada dois minutos e já era impossível eu não me contorcer e não falar “ai, ai, ai”. Engarrafamento básico pra entrar pra Costeira, único acesso disponível nesse dia... Eu só pensava em chegar na maternidade. Nas contrações ouvia a vozinha do Caio: “Ajuda a mamãe, papai!”; “Vai passar, mamãe!”, em meio a um risinho nervoso da parte dele... Liguei pra mãe e pedi pra eles irem pegar o Caio no hospital; não ia dar pra passar na casa deles.

Finalmente chegamos na maternidade. Eram umas 10 h e pouco da manhã. Ainda consegui dizer meu endereço, número de telefones, CPF, etc. entre uma contração e outra! Hehehe A moça da recepção disse que a Dra. Paula já ia me examinar. Fiquei feliz ao ouvir um nome de mulher (eu ia ter com o médico plantonista mesmo). Enquanto a Dra. Paula não vinha, a própria recepcionista já pediu meus documentos dizendo que pelo visto eu ia mesmo ser internada. Meus pais chegaram, dei tchau pro meu filho querido e segui no ai ai ai.

De repente, ploc... ahhhhh (isso foi eu dando um gritinho de susto) e aquele quentinho perna abaixo. A bolsa estourou! Fiquei uma estátua no meio da poça enquanto as meninas diziam pra eu não me preocupar que já iam vir limpar isso!

Chegou a doutora. Ufa! Eram 10h40. Simpatizei com a Dra. Paula na hora – ela tinha um olhar doce e uma voz suave. Que sorte a minha, pensei! Entre uma contração e outra ela me examinou e pasmem! Eu já estava com 9 cm de dilatação.  Me encaminharam para a sala de parto normal e logo a Gabi Doula chegou! Ai, que bom! Agora minha equipe de apoio – De e Gabi – estava completa!

Eu só pensava em entrar na banheira e sentir o alívio do quentinho da água. Enquanto enchia fui pro chuveiro. E depois de esperar váaarios minutos, a banheira cheia, o termostato marcando 37 graus, quando chego lá a água está fria!! Banheira out of order! Que frustração! Eu tinha sonhado tanto com a banheira! Mas bola pra frente. Voltei pro chuveiro!

Um tempo depois, nova checagem e eu já estava com 10 cm de dilatação. Devia ser umas 11 h e pouco e todo mundo neste momento achou que logo, logo, Dora estaria aqui. Parecia que estava quase!

Mas o tempo foi passando, as contrações foram aumentando e eu fui mudando de posição. Do chuveiro pra em pé apoiada na cama, em pé apoiada na bola de pilates na cama, ajoelhada apoiada na cama... tudo o que eu queria era curvar a minha coluna o máximo possível durante as contrações.

Cada posição que eu fazia, Gabi trazia recursos pra me deixar mais confortável, mas o melhor de tudo foi a massagem que ela fez na minhas costas em cada uma das contrações que eu tive até o final. Que diferença que fazia pra amainar a dor!! Se acaso por alguma razão ela tivesse saído do meu lado nos intervalos, bastava a contração iniciar que eu via Gabi saindo correndo em minha direção pra colocar suas mãos mágicas nas minhas costas. Teve momentos que eu nem queria massagem; bastava ela pousar suas mãos na região onde doía que aquilo me aliviava.

Não tinha mais ninguém em trabalho de parto na maternidade naquele dia. Eu tinha a equipe toda só pra mim! Isso fez com que a Dra. Paula acompanhasse praticamente meu parto inteiro e eu adorei a postura dela. Sempre me deixando a vontade, procurando também contribuir para meu alívio e me motivar.

Na hora do almoço comecei a me sentir cansada, afinal eu mal tinha comido uma fatia de mamão pela manhã! Decarlos pegou uma barrinha de cereal pra mim e eu continuei tomando muita água – desde o começo me dava muita sede.

Passei um tempão ajoelhada no chão (com toalhas amortecendo cada um dos meus joelhos – providência da Gabi), com o tronco apoiado na cama, a Gabi cuidando das minhas costas, a médica sentada no chão ao meu lado às vezes fazendo um carinho na minha perna durante as contrações que – acreditem – trazia mais um aliviozinho pra dor, e o De na minha frente, do outro lado da cama, me dando as mãos, que eu apertava com toda a força. Nos pequenos intervalos, eu ficava estátua, fechava os olhos e só queria curtir o alívio do momento, não me mexia, poucas vezes falava, eu só queria respirar.

A cada 10 minutos a médica checava o coração da Dora e estava sempre tudo bem com ela. Ela vinha descendo, gradativamente, va-ga-ro-sa-men-te... Eu já estava pedindo “vem, filha, vem”... Todos me diziam “está quase”, mas pra mim ficou tempo demais no “quase”. Duas Dulces começaram a conversar na minha cabeça:

- Vou pedir anestesia; não aguento mais.

- Tu sabes que a Gabi e a Dra. Paula vão te dizer que está quase, que não vale a pena, e tu vais aceitar isso. No fundo, tu sabes que aguentas e que não queres anestesia quando já estás com dilatação total e quando falta tão pouco!

- Ah, mas vou pedir mesmo assim. Preciso verbalizar isso e ouvir elas dizerem o que eu sei que elas vão dizer!

E foi o que eu fiz. Pedi anestesia, pedi alguma coisa para agilizar o processo, falei que estava cansada, perguntei quanto tempo eu ainda ia ter que aguentar a dor, tudo sabendo que eu ia continuar exatamente onde estava... isto é, sem intervenções!

Diante de toda a minha manifestação, Gabi me achou meio ansiosa e me sugeriu voltar pro chuveiro, já que eu tinha gostado tanto do alívio da água. Aceitei a sugestão. Deveria ser umas 14 h.

Andei da cama até lá, fui pra debaixo da água e de repente, assim sem mais nem menos, sem aviso prévio, entrei no expulsivo!

...
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Essa pausa é porque chega a ser difícil pra mim explicar o que senti... Ninguém nunca me falou da sensação do expulsivo, ninguém me preparou para aquele momento (bem que a doula tentou, me recomendando uma roda de conversa sobre o tema à qual eu não pude ir)!

Ao sentir meu corpo se abrindo, a sensação de que eu ia literalmente me rasgar ao meio, senti um choque, um pânico! Eu já nem berrava mais – urrar é o verbo mais adequado... Acho que é no expulsivo que a gente se conecta com as nossas ancestrais, com a mãe-terra, com a essência do feminino, com a energia fundamental que trouxe a humanidade até aqui, com o que de mais animal (no melhor sentido do termo) há na nossa natureza.

What the hell is going on?? Gabi, eu vou me rasgar!! E ela: não vai, não, Dulce! A Dora tá vindo! Deixa acontecer! Mas a vontade era mesmo me trancar toda, me segurar inteira... Eu não queria me partir...! Até entendi melhor por que esse momento se chama “parto”... Não deve ser à toa!

A partir daí já não havia mais alívio entre as contrações! Toda a parte de baixo do meu corpo se esticava... Gabi chamou a doutora. Ela fechou o chuveiro (na hora eu pensei: liga essa p...!) e tentou se posicionar ali, mas acho que não deu muito certo porque ela insistiu pra eu ir pra cama, sugeriu a posição de quatro que, pelo acompanhamento do parto, ela sabia que me traria algum alívio. Entre mais uma ou duas contrações, urros e desespero da minha parte, eu disse que não conseguiria andar até a cama! Ela disse que eu conseguiria sim, e foi me levando, me dando apoio.

Mal cheguei na cama e veio outra contração. E acho que mais outra. Já nem sei... Já estava na partolândia. Eu precisava da mão do De na minha, eu quase mordia a mão dele entre um grito e outro...

Aí eu ouço a Dra. Paula me falar que eu estava começando a ter uma laceração. Ela me perguntou se não era melhor eu virar pra ela poder fazer uma episiotomia. Gente, eu jamais iria conseguir virar no meio daquele turbilhão e sentir uma contração daquelas deitadinha de costas na cama! JAMAIS!! Tentei deixar isso claro, mas ela insistiu...! Meti a Gabi na fogueira e perguntei: o que achas? Ela tentou dar sua opinião sem parecer uma afronta à médica e à enfermeira, que chegou junto e disse: vamos virar ela, doutora! Escutei ao longe Gabi dizendo: espera só mais uma! Ao mesmo tempo em que eu gritava: não vai dar teeempoooooo!

E veio mais uma contração. A derradeira. A contração pré-paraíso. Claro que eu não sabia que seria a última... eu estava lá mordendo a mão do De e berrando ao mesmo tempo, quando de repente tive aquela outra sensação. Foi quase um ploc de novo (como o do rompimento da bolsa)... E quando olhei pra baixo (lembrem-se que eu estava de quatro), lá estava ela, a minha Isadora, no meio de um monte de líquido de cor diferente, chorando, sendo amparada pela Dra. Paula e pela pediatra... Eram 2:18 h da tarde.

Nasceu!, eu disse. E, de um segundo pro outro, eu não sentia mais dor nenhuma, mas sim uma emoção (cá entre nós, nesse momentinho era mais de alívio do que de amor. Desculpa a sinceridade, gente!). Ufa, acabou! Agora é só alegria! J

As médicas passaram a Dora por debaixo do meu corpo, com o cordão umbilical ainda nos conectando (bem como estava no meu plano de parto), para eu poder ver a carinha dela direito!

Depois de uns minutinhos, o cordão foi cortado. Consegui me virar e deitar na cama, Gabi me ofereceu algo pra comer, e enquanto a pediatra examinava minha filha, a médica dava os pontos na laceração que tinha ocorrido (nem de longe tão grave quanto no parto do Caio).

Em poucos minutos, Dora estava mamando, com a eficiência e perfeição de quem tivesse feito aquilo a vida toda!

Com a expulsão da placenta, eu estava pronta para tomar um banho e ir para o quarto, andando por meus próprios pés, me sentindo forte e bem.

Olhei “para trás” e me senti contente por ter tido a felicidade de passar por um parto sem intervenção de nenhum tipo e pelo privilégio de sentir o expulsivo como ele é, na pele, no físico, no coração e na alma. Olhei para frente e senti a satisfação de estar pronta, com todas as minhas capacidades, para partilhar minha vida com este ser humano que cresceu em mim, que me partiu em novas Dulces. Se naquele precioso instante, quando nasceu Isadora, não nasceu também uma mãe, pois mãe eu já era, criou-se em mim uma nova mulher, que fez escolhas conscientes sobre o seu parto e as teve respeitadas, que teve um plano de parto que se cumpriu num país onde as estatísticas são chocantes e a violência obstétrica uma triste realidade. A Dulce que partiu da maternidade foi empoderada pela beleza de um parto natural que, não há dúvidas, mãe e filha, com um apoio essencial, conseguiram juntas.

Desejei que todas as mulheres, ao parirem, possam se sentir como eu me senti. 

Mais uma vez, parto feliz.